Superintendência da Polícia Federal

Um dos locais associados à repressão em Curitiba, embora contendo número menor de denúncias, é a antiga sede da Polícia Federal, localizada na época na Rua Ubaldino do Amaral, número 321.

Há uma vasta bibliografia que relaciona os acordos firmados entre o MEC e a USAID (United StatesAgency for InternationalDevelopment), todavia, um ponto pouco abordado é a cooperação deste órgão em outras esferas, como a Segurança Nacional. De acordo com o relatório da Comissão Estadual da Verdade (2014), a atuação estadunidense foi muito além da penetração nas universidades, sendo que,

Após o golpe, caladas as forças políticas contrárias, a presença norte-americana, principalmente nosassuntos ligados à segurança nacional, o programa policial da USAID terá grande expansão. Em 1967 já havia, noBrasil, 23 assessores norte-americanos atuando em 15 Estados, além do Distrito Federal. Em Brasília atuavamjunto ao Departamento de Polícia Federal, reorganizado em 1964 e transformado em uma polícia efetiva e dealcance nacional. A USAID colaborará, então, na criação de instituições tais como a Academia Nacional de Polícia,o Instituto Nacional de Identificação, o Instituto Nacional de Criminalística e o Centro de Treinamento emComunicações. Sua ajuda implicou no aporte de recursos financeiros, treinamento de policiais e assessoramentoaos chefes, e a Polícia Federal passa a ser então a “menina dos olhos” da USAID; tanto assim que, quandocomeçam a surgir denúncias internacionais a respeito das práticas recorrentes de tortura nas policias dos Estadosbrasileiros, o argumento levantado para a não interrupção da colaboração norte-americana era a de que a USAIDestava envolvida com a Polícia Federal e não com as polícias dos Estados – numa tentativa de se eximir daresponsabilidade de haver treinado também esses policiais e dado suporte aos seus aparatos repressores.Por outro lado, no cenário brasileiro, as Forças Armadas buscavam manter e expandir sua posição e paratanto foram também ampliando seu espaço de formação. Surgem daí algumas parcerias entre a Escola Superiorde Guerra e algumas universidades. Maria Judite Barbosa Trindade, professora aposentada da UniversidadeFedera do Paraná, em seu depoimento à CEV na Audiência Pública de Curitiba (07 a 09 de outubro de 2013),afirma que a Universidade Federal do Paraná sediou vários desses cursos. Dirigidos tanto às novas forças desegurança pública, quanto aos civis de forma geral, esses cursos,segundo a professora, tinham como objetivo formar os novos cidadãos para o cenário social que se organizava.[1]

Como podemos notar neste trecho, a Comissão Estadual da Verdade afirma que a USAID possuía grande interesse na Segurança Nacional, atuando junto à Polícia Federal em várias ocasiões. Durante a análise de vários depoimentos ao longo deste trabalho, notamos que diversas vezes alguns agentes atuantes na resistência mencionam prisões feitas pela Polícia Federal, com algumas detenções ocorrendo em suas dependências. Para corroborar este relato, citamos aqui Algumas prisões ocorridas na sede da PF: Edésio Passos, militante que lutava contra a repressão havia sido preso em outras ocasiões. Sua prisão pela Polícia Federal se deu em 1976, já no processo de abertura política. O motivo alegado na Comissão Estadual da Verdade foi a atuaçãoem escolas cooperativas, a Oca e a Oficina, de Educação Infantil, nas quais os pais eram os responsáveis por definir uma linha pedagógica, sendo que alguns deles próprios eram professores. Edésio foi acusado de praticar atividades comunistas e preso na sede da PF, na rua Ubaldino do Amaral, tendo sofrido apenas tortura psicológica, embora alguns de seus companheiros tenham sofrido tortura física.[2]

De acordo com a comissão, a PF havia emitido uma nota afirmando que “as escolas vinham doutrinando crianças dentro de princípios marxistas, desenvolvendo-lhes uma visão materialista e dialética do mundo, incutindo nelas a negação de valores como a religião, a família e a tradição história”.[3] Neste episódio, além de Edésio, foram presas mais 10 pessoas: o jornalista Walmor Marcelino, o engenheiro Paulo Sá Brito, os publicitários Reinoldo e Sueli Atem, o professor LéoKessel, a pedagoga Silvia Magalhães e as sociólogas Bernadete Zaneti Sá Brito, Lígia Mendonça e Ana Lange e o militante Luiz Alberto Amaral Manfredini. A acusação de incitarem as crianças ao marxismo se tornou lendária e cômica, haja vista que muitas crianças eram de pré-escola.

No relato da Comissão Estadual da Verdade, há uma passagem intrigante por sua situação caricata:

Luiz Fernando Veríssimo produziu uma hilária “cartilha marxista” que estaria sendo aplicada aos meninos e meninas de Curitiba, em sua coluna do Jornal do Brasil, o poeta Carlos Drummond de Andrade noticiou declarações do garoto Fifico, de três anos e meio de idade, segundo as quais sua professora trocou o livro “Circo de Coelhinhos”, do escritor Marques Rebelo, pelo “O Capital”, de Karl Marx. “Marques e Marx, tudo é a mesma coisa”, teria alegado a professora. No Jornal do Brasil, Carlos Eduardo Novaes em longa crônica intitulada “A subversão infantil”, informou que, nas duas pré-escolas de Curitiba, as aulas começavam com historinhas que poderiam ser “Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Reacionário”, como “A Branca de Neve, Lacaia do Capitalismo, e os Sete Anões Explorados” ou ainda “Pluf, o fantasma do imperialismo”. A pressão foi tal que os detidos acabaram sendo soltos já a partir do terceiro dia após as prisões, uma semana depois, no domingo 26, os três últimos deixaram a cela, Manfredini, o jornalista Walmor Marcelino e o advogado Edésio Passos, Juracilda Veiga permaneceu 24 horas nas mãos dos sequestradores, sempre encapuzada, sofrendo choques elétricos e ameaças em dez longos interrogatórios.[4]

O relato acima, elaborado pela Comissão Estadual da Verdade mostra uma situação que chamou a atenção de escritores, pelo fato de as escolas terem sido acusadas de pregar o marxismo para crianças que ainda não tinham desenvolvido o pensamento abstrato, o que seria uma cena no mínimo curiosa de ser presenciada. O mesmo documento dá conta de torturas físicas sofridas por Juracilda Veiga, como choques elétricos.

Antiga sede da superintendência da Polícia Federal. Fonte: Universidade Federal do Paraná, 23 mai. 2012. Acesso em 9 abr. 2018.

A Superintendência da Polícia Federal foi transferida para um novo prédio no bairro Santa Cândida, sendo que a sede antiga atualmente é utilizada pela Universidade Federal do Paraná, cuja localização é próxima à Reitoria.[5] De acordo com a notícia vinculada pela própria universidade em 2012, foram feitas reformas devido ao grau de degradação em que a construção se encontrava, entretanto o projeto foi executado com base na edificação já existente, construída na década de 1960.

 


[1]Relatório da Comissão Estadual da Verdade “Teresa Urban”, CEV/PR, 2014, p. 483.
[2]Relatório da Comissão Estadual da Verdade “Teresa Urban”, CEV/PR, 2014, p. 506.
[3]Idem, p. 512-513.
[4]Ibidem, p. 546.
[5]MEIRELLES, Simone. UFPR Inaugura Prédio na Rua Ubaldino do Amaral. Site da Universidade Federal do Paraná.Disponível em:<http://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/ufpr-inaugura-novo-predio-na-rua-ubaldino-do-amaral/>  Acesso em 9 abr. 2018.