Rua XV de Novembro – Centro de Curitiba

No momento em que o fim do regime de exceção parecia cada vez mais tangível, uma série de manifestações exigindo o fim da ditadura tomava proporções cada vez maiores.

Neste sentido, com relação a locais emblemáticos de resistência ao regime, a Rua XV de Novembro, localizada na região central de Curitiba, foi marcante no pioneiro comício pelas Diretas Já, realizado no dia 12 de janeiro de 1984[1].  A organização do evento ficou a cargo de Álvaro Dias[2], então presidente do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), com apenas doze dias de preparação. Dias contou com a ajuda de Ulysses Guimarães para convocar a população. O então peemedebista trouxe Osmar Santos para fazer o trabalho de locutor do comício, além de mobilizar diversas lideranças políticas, bem como intelectuais e artistas, para a causa. De acordo com o relato de Álvaro Dias, o Governador do Paraná à época, José Richa, não acreditava muito na capacidade de mobilização do comício:

Aí eu fui até o hotel Del Rey, peguei o telefone, liguei para ele e disse: “Richa, a sua Polícia Militar diz que tem 60 mil pessoas no comício. Tá bom para você?” [Risos]. Ele falou, “O quê? Tem 60 mil pessoas?” Ele falou, “O quê? Você está mentindo?” Eu disse, “não, tem 60 mil pessoas, pode vir”.  […] Ele foi e até veio de gravata para o comício. Subiu ao palanque e viu que era uma multidão.[3]

Mensurar o número de participantes é tarefa árdua, pois os relatos variam bastante. O jornal Gazeta do Povo[4] argumenta que o número varia de 10 a 60 mil pessoas. Independente da questão numérica, o comício foi de suma importância, pois após esta manifestação, surgiram diversas outras no país, exigindo a volta da democracia e eleições diretas.

Comício pelas Diretas Já na Boca Maldita em Curitiba, 12 jan. 1984. In: Gazeta do Povo, 24 jan 2009. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/curitiba-foi-pioneira-na-campanha-bdzz1yc2vvn0dlfkh33y08r4e acesso em 23 de janeiro de 2018.

Analisando a fotografia da manifestação, podemos notar que, de fato, havia uma multidão reunida, desde a Boca Maldita, até uma grande extensão da Rua XV de Novembro. A despeito de faltar uma precisão no número de manifestantes, o fato é que a grande quantidade de pessoas foi surpreendente para um evento organizado em poucos dias.

Sobre a importância da campanha de Curitiba para o crescimento do movimento no restante do país, Dias argumenta que

A partir daí a campanha das Diretas deslanchou. Eu creio que foi fundamental esse comício de Curitiba… Se ele tivesse fracassado, não sei se teríamos o mesmo embalo a seguir. Talvez demorássemos um pouco para estimular mesmo a participação. Mas depois vieram os outros artistas, os outros políticos, aí… O Lula veio depois, aqui em Curitiba ele não esteve… a partir da praça da Sé. Enfim, aí jogadores de futebol como o Sócrates […]  Aí a imprensa passou a dar uma cobertura maior, né… até o primeiro comício não era essa cobertura, por isso nós tivemos que fazer uma inserção paga, um chamamento, aí foi inclusive na Globo também, um chamamento que eu acho que ajudou bastante a mobilizar a população. [5]

De acordo com seu ponto de vista, o primeiro comício pelas Diretas Já em Curitiba foi preponderante para as próximas manifestações, sendo que inclusive nesta a mídia só cedeu espaço após a inclusão de um pronunciamento pago na televisão.

A Boca Maldita na atualidade, 2018. Fonte: acervo do autor.

Na imagem acima vemos Boca Maldita em maio de 2018. O local, assim como uma grande extensão da Rua XV de Novembro continua sendo palco de diversas manifestações, das mais variadas matizes.

Ao longo deste menu, explanamos locais importantes no que concerne à resistência à ditadura. Apesar de o maior partido de esquerda, o PCB, ter optado pela via pacífica em detrimento da luta armada, acabou sendo perseguido pelo regime repressivo quando obteve maioria na eleição de 1974, sendo alvo, no Estado do Paraná, na Operação Marumbi. Apesar disso, outros movimentos fizeram questão de lutar contra o regime, como os estudantes, sobretudo no ano de 1968, protagonizando episódios memoráveis, como a “batalha do Politécnico”, a ocupação na Reitoria da UFPR, resultando em uma vitória, pois a partir daquele episódio a implantação do ensino pago nas Universidades foi cancelado, e o frustrado Comício da UNE, na “Chácara do Alemão”. Como vários movimentos ao longo da história, os estudantes sofreram reveses e conquistaram vitória, mas deixaram seu legado registrado para a posteridade.

Sabemos que o AI-5 e o consequente recrudescimento da repressão inviabilizaram manifestações de massa, sendo que esta época (1968-1974) é marcada pelo aumento da luta armada e de focos guerrilheiros por várias partes do país, resultando em um grande número de prisões e mortes.

A partir de 1975, uma série de fatores levou à queda do regime, tais como a crise econômica, permeada por uma inflação galopante e defasagem dos salários, o início da abertura “lenta gradual e segura” com Ernesto Geisel, com a Lei da Anistia e revogação do AI-5, as inúmeras greves que sacudiram o país, bem como a reorganização dos movimentos de massa que exigiam o fim do regime e a volta da democracia.


[1]OLINDA, Caroline. Curitiba foi pioneira na campanha. Gazeta do Povo. 24 jan 2009. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/curitiba-foi-pioneira-na-campanha-bdzz1yc2vvn0dlfkh33y08r4e acesso em 23 de janeiro de 2018.
[2] Oliveira, Sahd, Calciolari, 2014 op. cit, p. 166
[3] DIAS, Álvaro. Depoimentos para a História (vídeo).27:25 –  27:56. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mawe3-PDsBQ> acesso em 23 de janeiro de 2018
[4] OLINDA, Caroline, op. cit.
[5] DIAS, Álvaro, Op. Cit. 20:00 – 30:07