Presídio do Ahú

O presídio do Ahú era o local aonde os detentos eram encaminhados após passar por uma “triagem” em algum dos locais citados anteriormente. Este local suscita diferentes percepções pelos presos políticos. Há relatos de indivíduos que no início do regime reclamavam das condições degradantes do local, desde a superlotação, promiscuidade, qualidade da comida, até aqueles que, acostumados com as condições de outros aparelhos utilizados pela repressão, achavam que as condições do presídio do Ahú não eram das piores. Apesar de ainda ter sua liberdade tolhida,

a chegada ao presídio do Ahú significava a inclusão no sistema carcerário, o direito a assistência médica, a visitas de familiares aos domingos e principalmente a assessoria jurídica. Por se tratar de presos políticos, este grupo era tratado como heróis pelos presos comuns.[1]

Narciso Pires, em seu livro Depoimentos para a História (2014), faz uma análise favorável a Elizeu Ferraz Furquim, designado em 1975 para a diretoria geral do presídio do Ahú. O coronel Furquim, se caracterizou por “um modelo pessoal de respeito aos Direitos Humanos e à justiça garantindo a visita dos advogados e dos familiares dos presos políticos”[2]. O tratamento digno teria sido concedido tanto aos presos políticos como aos comuns. Embora haja relatos de sofrimentos no presídio, estes eram menores do que nos locais já citados. Dentre alguns eventos bastante recordados por vários ex-presos políticos, que remetem à estadia no Ahú, estão partidas de futebol com bolas de meia, ginástica e faxinas para manter o local limpo[3]. O coronel Furquim relata suas memórias acerca de seu empenho no que tange ao pedido de transferências de presos políticos que estavam em quartéis e na sede da DOPS:

Os ambientes foram me dando o espaço e o conhecimento com as pessoas e as coisas e me permitiram fazer essa circulação, não é? Aí nós fomos chegando. O governador que era o Jaime Canet, espero que ele… não ele, hoje é um homem liberalíssimo. Ele só não foi mais porque não podia… que mandou um recado simples: “faça tudo o que você fizer, eu fico mais agradecido do que você pensa, porque eu também sou constrangido, e eu espero que você consiga leva-los à prisão e que dê a eles, pelo menos, né..a liberdade de visitação da família… comum dos presos, né… o advogado, a visita dos advogados, o acesso e a fiscalização dos juízes que as prisões do Estado tenham acesso à fiscalização dos juízes, dos promotores, da Cruz Vermelha Internacional, da Anistia, enfim. […] as coisas ficam às claras”. [4]

Neste trecho de seu depoimento duas coisas chamam a atenção: o aproveitamento dos ambientes que Elizeu já conhecia, usando sua rede de contatos a seu favor e o pedido do governador, afirmando que ele também estava constrangido e que, supostamente, era a favor das prisões funcionarem dentro da legalidade jurídica, com direito a visitas e à fiscalização. Ao longo do depoimento de Elizeu é perceptível a preocupação em retratar sua assistência humanitária em relação aos presos, entretanto, evita traçar uma imagem negativa a respeito dos agentes da repressão. Ao falar sobre o Secretário de Segurança, general Alcino Pereira Gonçalves: “uma pessoa também boníssima, bom vivant, alegre, de cavalaria, que era exatamente a minha origem, não é?”[5] Esses relatos são interessantes para mostrar a visão de um agente do Estado neste período. Sua representação acerca de figuras controversas mostra um outro lado, proporcionando distintas representações. Sobre o delegado Ozias Algauer, Elizeu comenta sobre a conversa para transferir os últimos presos políticos da DOPS para o Ahú:

O Algauer foi o último a ceder, né, realmente, mas se convenceu em função de algumas coisas que eu disse a ele. Eu disse a ele: “Algauer, você olha… você é um homem de horizonte, veja bem… a revolução tá no fim, é só você que não tá percebendo que a revolução tá no fim. Ao final você vai ficar segurando o pau da bandeira, porque a bandeira desapareceu há muito tempo. Você vai deixar essa mágoa pra você, essa mácula pra você, pra tua família, né? Teu nome vai ser amaldiçoado, por que que você vai ser este homem? Por que você tem que ser esta pessoa?” Ele disse: “Mas como que tá acabando?” “Tá acabando, você veja, olha aí e veja o universo das coisas, veja quando… quando chega este ponto, né? É porque não tem mais nada pra puxar, não tem mais povo atrás disso … tá meia dúzia de aproveitadores em cima e os outros bobos segurando aqui em baixo, essas coisas que não tem mais sentido, né?” E eí passou uns dias e ele me chamou. Ele já tinha saído da DOPS, daqueles dias ele saiu da DOPS e foi pra Secretaria de Segurança pra se… já prevendo qualquer coisa… e lá ele diz “olha, eu tive pensando e você tem razão. Eu vou dar meu assentimento”, que ele era um ideólogo, né? Da… da direita […] era convencido, né? Mas ele, ele não deixou de raciocinar e entendeu que, que o futuro não era esse e que ele só tinha a perder e que a polícia dele só tinha a perder…[6]

Ao longo de todo o seu depoimento, Elizeu Furquim mostra um outro lado dos agentes da repressão, ao mencionar que todos pareciam indivíduos amáveis, sendo Ozias Algauer o que mais dificultava as coisas, mas mesmo assim, sempre mantendo um diálogo. No trecho acima chama a atenção o diálogo e a percepção de Elizeu de que o regime estava perdendo apoio e Ozias Algauer estava cada vez mais isolado. Este argumento foi preponderante para a transferência dos presos políticos da DOPS para o Presídio do Ahú. Outro ponto a ser destacado, é que de acordo com Furquim, o delegado da DOPS tinha toda uma ideologia de apoio irrestrito ao regime repressivo e foi fiel à sua ideologia mesmo quando seus colaboradores estavam declinando.

Conforme os relatos orais, podemos inferir que as reclamações acerca das condições degradantes do presídio se dão nos primeiros anos da implantação da ditadura até os anos de chumbo. Os relatos mais favoráveis aparecem a partir do início da distensão do regime, sobretudo após 1974. Devido ao crescimento do bairro, desde a década de 80, havia uma demanda por parte dos moradores do local para que o presídio fosse desativado, o que só ocorreu de forma definitiva em julho de 2006, quando os mais de 900 detentos do local foram remanejados para o Centro de Detenção e Ressocialização de Piraquara[7].

Interior do Presídio do Ahú. 1975. Sentados, da esquerda para a direita: Ildeu Manso Vieira, Narciso Pires e Diego Afonso Gimenes. Em pé esquerda para a direita: Osíris Boscardin Pinto, Mario Siqueira e Antônio Brito Lopes. Fonte: http://www.memoriastorturadas.com/> acesso em 10 de outubro de 2017.

Presídio do Ahú em seus últimos dias antes de ser demolido. Fonte: Tribuna do Paraná.

A primeira imagem nos chama a atenção por algumas peculiaridades. Os presos estão com alguns artefatos pessoais, como máquina de escrever, violão e até uma panela de pressão. De acordo com o relato de Narciso e o de Elizeu Furquim, em comparação com outros locais de repressão, este era o que oferecia melhores condições aos presos políticos. Outro fator a ser ponderado, é de que este foi o único local utilizado pela repressão em que se permitiu fotografias de internos. Já a segunda imagem mostra o presídio em seus últimos dias, antes de ser demolido.


[1]CALCIOLARI, Silvia. Ex-presos políticos e a memória social da tortura no Paraná (1964-1978). Curitiba: Assembleia Legislativa do Paraná, 2006, p. 104
[2]OLIVEIRA, Narciso Pires de; SAHD, Fabio Bacila; CALCIOLARI, Silvia. Depoimentos para a história: a resistência à ditadura militar no Paraná. Curitiba: DHPaz, 2014p. 45
[3]CALCIOLARI, Silvia. Ex-presos políticos e a memória social da tortura no Paraná (1964-1978). Curitiba: Assembleia Legislativa do Paraná, 2006, P. 07
[4] FURQUIM, Elizeu Ferraz. DHPAZ – Depoimentos para a História (vídeo). 39:50 – 40:58. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LMxpIUjMupA> acesso em 30 de setembro de 2017.
[5] Idem.
[6].FURQUIM, Elizeu Ferraz. DHPAZ – Depoimentos para a História (vídeo). 44:06 –  46:35.
 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LMxpIUjMupA> acesso em 30 de setembro de 2017.
[7] Gazeta do Povo online. Desativado, presídio do Ahu deve abrigar sede da justiça estadual. 14 jul. 2006. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/desativado-presidio-do-ahu-deve-abrigar-sede-da-justica-estadual-a4fd86hjc2pis0ppudbr27o0e Acesso em 11 de julho de 2017.