Reitoria da UFPR

A resistência de grande parte dos estudantes da Universidade Federal do Paraná às medidas entendidas como arbitrárias, implantadas principalmente pelo seu Reitor e Ministro da Educação Flávio Suplicy de Lacerda, foi, conforme analisado anteriormente, bastante incisiva.

O campus da Reitoria, localizado na região central de Curitiba, entre as ruas XV de Novembro, Dr. Faivre, Amintas de Barros e General Carneiro foi palco de diversos episódios de atos de repúdio à ditadura, sendo o mais memorável, a ocupação do local em 14 de maio de 1968 com a derrubada do busto do Reitor em ato de protesto, que conforme explanado anteriormente, fazia parte da movimentação estudantil contra a implementação do ensino pago na Universidade.

Os estudantes que haviam sido presos pela manifestação no Centro Politécnico perceberam que a Polícia Militar concentrava suas forças neste câmpus, sendo assim, Stênio Sales Jacob relata que a Reitoria estaria livre para uma ocupação, cujas manobras iniciaram tão logo ocorreu a soltura dos estudantes.[1]

Sobre a ocupação e a atitude dos discentes, temos distintas visões. Stênio Sales Jacob argumenta que a ocupação se deu de forma pacífica, sendo que após as negociações com o Governador Paulo Pimentel terem surtido efeito,

Colocamos todas as coisas no lugar, nenhum objeto na Reitoria foi mexido, não se tocou em nada, não se permitiu que fosse feito qualquer tipo de vandalismo… o único ato, que foi assim, extremamente marcante, significativo, foi a chamada derrubada do busto do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda. Que era o maior representante naquele momento, junto à ditadura, contra a educação desse país. Porque o Reitor que era ministro, que assinou o acordo MEC/USAID e que estava tentando implementar no Paraná o acordo MEC/USAID. [2]

A visão de Stênio contrasta com a do jornal Diário da Tarde, sendo que este periódico noticiava o fim dos conflitos da seguinte maneira:

Armados para a violência

Cerca de 1500 estudantes depois de terem refutado as propostas do Governador do Estado para resolver o problema se dirigiram para a Reitoria às 7h30m. usando automóveis oficiais, paralelepípedos, extraídos da própria rua, arame e tábuas, isolaram todo o quarteirão constituindo a barreira. […] Depois de terem depredado o busto do Reitor e quebrado as placas que se encontravam no pátio dos edifícios, chegou o desembargador Munhoz de Mello, que em todos os momentos da crise estudantil serviu de mediador entre estudantes e autoridades.

Contradição

“Não precisa violência, nossa arma é a consciência”, eis o que se podia ler num dos cartazes estudantis. Em contraste tinham ao seu lado estilingues, bolas de gude, rolhas, foguetes, pedras retiradas da calçada, lascas de madeira e pedaços de ferro. Os pneus dos veículos oficiais esvaziados.[3]

A despeito das diferentes versões acerca do desfecho do conflito, os ocupantes conseguiram com que a cobrança de mensalidades fosse cancelada, desta forma o movimento foi vitorioso em seu objetivo, entretanto, com a implantação do AI-5 no final deste mesmo ano, os estudantes sofreram um revés que desarticularia reivindicações de massa pelos próximos anos.

Flávio Suplicy de Lacerda (acima, à direita). Na imagem de baixo, estudantes arrastam o busto de Suplicy pelo pátio da Reitoria durante a ocupação. Fonte: DEAP/DOPS. Pasta 2308 cx 259.

A imagem acima, contida em uma pasta da DOPS no Arquivo Público do Estado mostra os estudantes arrastando o busto do Reitor e Ministro da Educação durante a ocupação do prédio da Reitoria. Este episódio já havia sido relatado por meio dos depoimentos já analisados nesta dissertação. A pasta da DOPS que contém esta fotografia impressiona pela quantidade de documentação arquivada. São 434 páginas dedicadas à UNE e ao movimento estudantil em geral, inclusive com vários panfletos de comícios clandestinos e diversos materiais de divulgação dos estudantes. Analisando esse grande acervo podemos inferir que a DOPS acompanhava de perto as movimentações estudantis, muitas vezes conseguindo se antecipar a determinados eventos, como veremos a seguir.

O busto de Suplicy foi novamente alvo de controvérsia em um novo protesto no dia de 1 de abril  de 2014, no aniversário de 50 anos do golpe, no câmpus da Reitoria. Os estudantes derrubaram a imagem em um ato de “descomemoração” à ditadura. A ação foi protagonizada pelo grupo Levante Popular da Juventude, sendo que mais tarde arrastaram o busto pela Rua XV de Novembro como em 1968.[4]

Estudantes derrubam o busto de Suplicy no ato de “descomemoração” ao golpe de 1964. Fonte: Gazeta do Povo. 01 abr 2014. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/estudantes-repetem-68-e-arrastam-busto-de-ex-reitor-pela-ruas-de-curitiba-8eqeh4b5ooga5xdpmlfri787i> Acesso em 11 de maio de 2018.

A UFPR se pronunciou sobre o ocorrido por meio do seguinte comunicado:

Nota Oficial sobre busto do Reitor Flavio Suplicy de Lacerda

A Reitoria da UFPR lamenta o episódio da retirada do busto em bronze do Reitor Flavio Suplicy de Lacerda de seu pedestal nos jardins do complexo da reitoria e as subsequentes agressões e pichações realizadas por um grupo de manifestantes.

Seria possível compreender tal ato no contexto do aniversário de 50 anos do Golpe de 1964, ocorrido neste dia 1º de Abril. Procuraram repetir assim o mesmo gesto das manifestações de protesto ocorridas em 1968 neste mesmo local. Porém vivemos um contexto completamente diferente, com o pleno funcionamento de todas as nossas instituições, tendo cada cidadão exercício completo de suas liberdades democráticas.

Por isso mesmo queremos manifestar nossa posição contraria a qualquer ato que traga danos ao patrimônio público, principalmente a um conjunto arquitetônico tombado pelo patrimônio histórico, do qual somos fiéis depositários como dirigentes da UFPR.

Cabe refletirmos sobre os alegados motivos para tal condenação. Não podemos apagar a história, nem tampouco reescrevê-la. O reitor Flavio Suplicy de Lacerda foi um dos líderes do intenso esforço que resultou na federalização da Universidade do Paraná, contribuindo assim para que tivéssemos a primeira universidade pública e gratuita de nosso Estado. Durante sua gestão houve um grande salto em nossa infraestrutura, com a reforma do Prédio Histórico da Santos Andrade, a construção do Complexo da Reitoria (Edifício Dom Pedro I , Edifício Dom Pedro II , Teatro da Reitoria e Edifício da Reitoria) além da Biblioteca Central, Casa da Estudante Universitária de Curitiba, do Hospital de Clínicas e do Complexo do Centro Politécnico. Foi exatamente para expressar a gratidão por este trabalho que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras mandou confeccionar este busto em bronze, instalando-o nos jardins logo abaixo de seu novo prédio, em 1958.

Como muitos brasileiros, o reitor Suplicy apoiou o Golpe Civil Militar. Foi nomeado Ministro da Educação do primeiro governo militar do General Castelo Branco, permanecendo no cargo entre 15 de abril de 1964 até 10 de janeiro de 1966. Por mais controversas que tenham sido suas ações e intenções durante esta passagem pelo governo federal, não nos cabe permitir ataques ao nosso patrimônio histórico, muito menos a memória de um dos nossos professores que exerceu o cargo de Reitor por dois períodos, totalizando quase 19 anos como dirigente máximo de nossa instituição.

Tomaremos providencias imediatas no sentido de contarmos com a atuação da Comissão da Verdade da UFPR para que recuperemos este importante artefato e possamos recoloca-lo no lugar que lhe foi destinado pela nossa comunidade há mais de 56 anos.

Que as futuras gerações possam visitar cada um de nossos campi livremente, conhecer nossa trajetória histórica com todas as lutas e contradições, avaliando a biografia de todos os homens e mulheres que ajudaram a escrever esta saga maravilhosa, dentro do seu contexto temporal, julgando com seu próprio pensamento a contribuição de cada um, colocando no devido lugar a todos nós. E preservando nossa memória, verdade e justiça!

Curitiba, 02 de abril de 2014.
Prof. Dr. Zaki Akel Sobrinho
Reitor da UFPR [5]

A posição adotada pelo Reitor da Universidade por meio do comunicado, demonstra uma posição mais moderada, repudiando o ataque ao patrimônio público, reconhecendo o apoio de Flávio Suplicy de Lacerda ao regime ditatorial, todavia frisando sua participação de quase duas décadas à frente do comando da instituição.

O impasse para o busto de Suplicy começou a ser resolvido em 2017, quando s Superintendência de Comunicação Social da Universidade informou que o COUN (Conselho Universitário) aprovou por unanimidade a proposta da professora Doutora Vera Karam de Chueri, integrante da Comissão Estadual da Verdade e diretora do setor de ciências jurídicas, de criação de um museu e percurso histórico com quatro marcos, sendo o primeiro o Edifício José Munhoz de Mello, que abrigava a antiga sede da Polícia Federal, o segundo o busto de Suplicy em seu local original, em frente ao prédio da Reitoria. O terceiro marco será o Edifício D. Pedro II, que fica ao lado do prédio da reitoria, com a instalação de um marco, lembrando o protesto estudantil de 1968. Já o quarto será a construção de um busto em homenagem ao advogado e ex-professor da Universidade, José Rodrigues Vieira Netto, a ser colocado na Praça Santos Andrade. José foi cassado durante a ditadura.[6]

O comunicado realizado pela Superintendência de Comunicação Social da Universidade foi emitido no dia 25 de maio de 2017, entretanto em maio de 2018 nenhuma das ações foi concluída, tampouco o busto do reitor recolocado no local, como podemos analisar na imagem a seguir:

Monumento em que estava o busto de Flávio Suplicy de Lacerda, 5 mai. 2018.[7] Imagem: Acervo de Nadia Gaiofatto Gonçalves

Conforme podemos analisar, a controversa honraria ainda não voltou a seu lugar de origem, sendo que este permanecendo vazio, apenas com a placa que o identifica.


[1] Heller, 1988, op. cit. P. 296
[2] JACOB, Stênio Sales, op. cit. 23:05 – 23:55
[3]Crise estudantil chega ao fim com a mediação das autoridades. Diário da tarde. Curitiba, 15 de maio de 1968. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/800074/117620.Acesso Em 3 de fevereiro de 2018.
[4] GARCIA, Euclides Lucas; BRUGNOLO Brunno. Estudantes repetem 68 e arrastam busto de ex-reitor pelas ruas de Curitiba. GAZETA DO POVO, 01 abr. 2014. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/estudantes-repetem-68-e-arrastam-busto-de-ex-reitor-pela-ruas-de-curitiba-8eqeh4b5ooga5xdpmlfri787i>  Acesso em 11 mai 2018.
[5] Nota Oficial sobre busto do Reitor Flavio Suplicy de Lacerda. Superintendência de Comunicação Social da UFPR. 02 abr 2018. Disponível em: <http://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/nota-oficial-sobre-busto-do-reitor-flavio-suplicy-de-lacerda/> Acesso em 11 de maio de 2018.
[6]COUN aprova, por unanimidade, parecer que cria Museu do Percurso e soluciona impasse sobre busto do ex-reitor Flavio de Lacerda. Superintendência de Comunicação Social da UFPR. 25 mai 2017. Disponível em: <http://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/coun-aprova-por-unanimidade-parecer-que-cria-museu-do-percurso-e-soluciona-por-meio-de-consenso-construido-pela-reitoria-da-ufpr-impasse-sobre-busto-do-ex-reitor-flavio-de-lacerda/>Acesso em 11 mai. 2018.
[7] Inscrição da placa: Ao Reitor magnífico Flávio Suplicy de Lacerda. Homenagem da faculdade de Filosofia pela construção de sua sede. MCMLVIII