Centro Politécnico – Universidade Federal do Paraná

A chamada “Batalha do Politécnico” ocorreu antes da ocupação da Reitoria da UFPR, sendo que ambas as manifestações tinham um ponto em comum, a saber, o repúdio à implantação do ensino pago nas universidades públicas, política implantada pelo Ministro Flávio Suplicy de Lacerda.

A estratégia utilizada pelos estudantes foi de ocupação e resistência, sendo que um confronto com a Polícia Militar parecia próximo.  Sobre a manifestação no Centro Politécnico, José Lopes Ferreira, o “Doutor Zequinha” relata:

E como foi isso? Marcou-se o vestibular, não é? E que seria feito durante o dia para esse curso pago de engenharia… e já vinha em uma negociação, a gente manifestando contra, a Reitoria firme, a Universidade firme para fazer o concurso… tinha a sua frente Flávio Suplicy de Lacerda, reacionário, conservador, um homem de direita e que sustentava essa posição. Por outro lado era o governo de Paulo Pimentel e que a gente tinha contato, e que discutia e que dizia “não, estava errado” e tal… tinha um acesso de colocação, do ponto de vista de mostrar as nossas reivindicações e que eram corretas, então tinha um diálogo com a composição política da época, e que era interessante, que era muito bom e isso ajudou muito. E fomos para lá, fomos para lá. Chegando lá estava a Polícia Militar, lá com seus cavalos, outros à pé com seu espadachim para dar umas porradas… e começou então, a gente foi para cima, não dava para ficar assistindo. Então se organizava e ia para cima, para ir criar confusão e tentar chegar ao lugar do vestibular, mas aí “o pau comeu”… aí a coisa foi gradativamente correndo, vai pra lá, vai pra cá, os caras vêm pra cima, dá uma espadada em um, dói… mas a gente já tinha uma experiência de defesa que era estilingue e bola de gude, porque era a única coisa que a gente podia ter. Não podia ter bomba, não podia ter nada e a gente também… também tinha esse sentido. A gente não usava os coquetéis de molotov e era bola de gude, então o que a gente fazia? Eles estavam de cavalo, você joga bola de gude, o cavalo [faz gesto de escorregar], não é? Eles usam a ferradura se não machuca. Pisa, escorrega, caía cavalo, caía guarda, caía polícia, caía tudo… então era uma forma… então a gente fazia isso, já tinha feito antes na manifestação, nas ruas, nas passeatas e fizemos lá também. [1]

Nesse trecho do depoimento de Zequinha, podemos notar que, a despeito de não concordar com as posições do Reitor e Ministro da Educação, tido como “conservador” e “reacionário”, o relacionamento do Governador Paulo Pimentel com os estudantes era razoavelmente bom, desta forma a visão de Zequinha está alinhada com a de Stênio Sales Jacob, que em depoimento, também gravado para o projeto da DHPAZ,  relata a disposição de Pimentel para resolver o impasse dos estudantes de forma pacífica.

Outro ponto pertinente de análise é que de acordo com Zequinha, a tática de utilizar estilingue com bolas de gude fazia parte de uma estratégia já utilizada anteriormente em manifestações. Ao explicar este fato, sua expressão facial assume um tom jocoso que parece levá-lo novamente àqueles dias, como se o estudante de medicina estivesse vivendo esta experiência. Esse acontecimento ficou solidificado na memória de Zequinha, provavelmente pela relevância em sua vida, mas também por ter sido reproduzido pela famosa foto de jornal, que legou o Prêmio Esso ao jornalista Edson Jansen. Sobre determinados elementos que ficam fixados na memória, Pollak (1992) traz uma análise que dialoga com o assunto:

Se destacamos essa característica flutuante, mutável, da memória, tanto individual quanto coletiva, devemos lembrar também que na maioria das memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis. Todos os que já realizaram entrevistas de história de vida percebem que no decorrer de uma entrevista muito longa, em que a ordem cronológica não está sendo necessariamente obedecida, em que os entrevistados voltam várias vezes aos mesmos acontecimentos, há nessas voltas a determinados períodos da vida, ou a certos fatos, algo de invariante. É como se, numa história de vida individual- mas isso acontece igualmente em memórias construídas coletivamente – houvesse elementos irredutíveis, em que o trabalho de solidificação da memória foi tão importante que impossibilitou a ocorrência de mudanças. Em certo sentido, determinados números de elementos tornam-se realidade, passam a fazer parte da própria essência da pessoa, muito embora outros tantos acontecimentos e fatos possam se modificar em função dos interlocutores, ou em função do movimento da fala. (POLLAK, 1992, p. 201)

Esse momento da vida de Zequinha ficou eternizado, não só pela manchete jornalística e pela importância deste evento para o movimento estudantil, mas também por sempre ser um ponto de destaque quando se relata a “Batalha do Politécnico”.

O Estudante José Ferreira Lopes enfrenta a cavalaria da Polícia com um estilingue. Imagem de Edison Jansem Fonte: Gazeta do Povo, 30 mar. 2009. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/ney-braga-conspirou-contra-jango-em-1964-diz-general-da-reserva-bi6fltg5r0rn3bjz8bqjxymha> Acesso em 19 de setembro de 2017.

Centro Politécnico na atualidade. Imagem aérea de Jhonys Oliveira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lM2CiU8iRY4 acesso em 11 de maio de 2018.

A figura que mostra Zequinha em confronto com as forças da repressão ficou bastante icônica no que se refere à resistência do movimento estudantil, talvez pela carga simbólica que carregou: policiais fortemente armados em confronto com um estudante portando um simples estilingue. Para alguém com menor intimidade acerca do assunto a imagem pode simbolizar a repressão com sua truculência enfrentando um jovem cidadão defendendo seus ideais, com uma arma que representa um indivíduo ainda no processo de amadurecimento. Entretanto, com o depoimento de Zequinha podemos inferir que a ação havia sido planejada, de modo que os estudantes lutaram com as armas que podiam, traçando uma estratégia de enfrentamento bastante criativa.

Na imagem aérea podemos ver o câmpus do Centro Politécnico da UFPR na atualidade. Podemos notar que na imagem de Zequinha, o confronto se dá em uma área descampada, mas fica difícil saber em qual parte do atual campus o ato ocorreu, uma vez que a estrutura se modificou ao longo dos anos, até mesmo de seu entorno.


[1] LOPES, José Ferreira. DHPAZ – Depoimentos para a História (vídeo) 30:45-33:16. Disponível em : <https://www.youtube.com/watch?v=3PcApukNnsI>Acesso em abr. 2018.