Clínica Marumbi

De todos os locais até agora identificados como utilizados para repressão pelo regime militar em Curitiba, este é o de mais difícil localização. Sabe-se que ficava nas dependências do que deveria ser o DRMS (Departamento Regional de Material de Saúde), entre as ruas Dr. Pedrosa e Brigadeiro Franco.

Os presos chegavam encapuzados neste local, que era uma instalação clandestina do DOI-CODI. O nível de sadismo dos torturadores era tamanho, que muitos deles vestiam jalecos e obrigavam os presos a chamá-los de “doutor”.

A instalação deste centro de tortura foi descoberta pelo jornalista Johnny Luiz Chemberg e revelada no Fórum de Resgate da Verdade, Memória e Justiça[1]. O jornalista cumpria serviço militar obrigatório entre 1974 e 1975 no quartel do 5º batalhão Logístico em Curitiba e segundo seu relato, levava marmitas para o local de tortura, que se situava em frente ao quartel onde servia. Chemberg relata que ali dentro havia várias celas, “mais de dez, com certeza”.

Antônio Narciso Pires de Oliveira, militante estudantil à época, descreve o lugar como “uma casa do inferno”. Narciso foi preso pela Operação Marumbi em Apucarana e transferido para Curitiba. Os presos na Clínica Marumbi sabiam que estavam em um local próximo ao quartel da praça Rui Barbosa, aonde eram levados previamente[2].

Já Ildeu Manso Vieira traz um relato perturbador presenciado naquele recinto:

Deveria ser altas horas da madrugada e não conseguia dormir, na “Clínica Marumby”. Ao lado de minha cela existia um cubículo apertado onde truculentos torturadores massacravam uma mulher de nome Dirce Alves e uma criança. A minha vizinha de cela, na frente de seu filho, gritava para os agentes do DOI-CODI:
– Pelo amor de Deus, acreditem em mim!
Os monstros, sem dar trégua, grunhiam:
– Vamos enfiar o cassetete com pimenta na tua vagina, desgraçada!
A desconhecida gritava desesperadamente e eles a seviciavam com crueldade. A sessão de torturas foi pela madrugada adentro e depois de umas duas horas de sofrimento ela perdeu os sentidos. Os torturadores retiraram o corpo da vítima aos berros:
– Bandida… comunista filha da p…
A criança, com sua voz rouca e sumida, gritava em desespero:
– Não mate a minha mãe… não mate a minha mãe pelo amor de Deus!
A voz do menor foi sufocada pelos torturadores e permaneci na escuta, ouvindo logo em seguida os agentes do DOI-CODI comunicando com São Paulo através do rádio. Um deles exclamou:
– Que m…, pessoal! Pegamos a mulher errada. A falsificadora de carteiras de identidade está em São Paulo.
Outro torturador ponderou:
– O chefe vai ficar p… da vida.
Outro fez uma observação:
– Logo agora que o majorzinho de b… está pegando no nosso pé. Ele vai cantar de galo e pedir nossa cabeça.[3]

Embora o relato a respeito de Dirce não possa ser cruzado com outras fontes, o depoimento de Ildeu Manso Vieira chama a atenção para duas coisas. A primeira é a usual truculência dos agentes da repressão no que se refere à tortura, bastante comum conforme inúmeros relatos das Comissões da Verdade e demais depoimentos. A segunda é a disputa que estava sendo travada entre as agentes do DOI-CODI de São Paulo e Curitiba.

Localização da antiga Clínica Marumbi, 2017. Fonte: acervo do autor.

Conforme podemos observar na imagem, não há qualquer indício de que ali havia instalações utilizadas pelos militares, sendo que nesta localidade foram construídos, mais tarde, uma loja de colchões e um grande hotel.

 


[1]LADO, Andreia; NEIRA, Ana Carolina; RÔMANY, Ítalo; GOZZI, Ricardo. Apogeu e declínio dos aparelhos de repressão. TAB UOL. Disponível em <https://tab.uol.com.br/mapa-da-morte-3/#embed-1> Acesso em 10 de julho de 2017.
[2] Idem.
[3]VIEIRA, Ildeu Manso. Memórias torturadas (e alegres) de um preso político. Curitiba: SEEC, 1991, p. 40.